Como o tempo passa.
Parece que estou a ver ainda
aquela criança sentada no muro á minha porta.
Simpática. Dizia bom
dia e falava com as pessoas.
Afigura-se-me que foi
ontem, mas, pelos vistos, já faz tempo.
Está alta. Mais alta
que eu.
Só ao terceiro dia de a
ver passar e entrar no prédio ao lado é que descobri que era ela. Tal a
metamorfose. Tem os mesmos olhos azuis como em criança. Perdeu um pouco, talvez
do azul vivo, para ganhar um azul pardo.
Loura oxigenada. Esguia,
quase boa.
Das três vezes que
passou por mim, não falou. Nem bom dia. Por mim, até pensei que fosse normal,
baixinho, careca. Tenho uns olhos esverdeados que é o que me vai safando. Mas
não, não fala a ninguém.
Deixa o Fiat Punto
azul-bebé de 96 e não vê mais nada.
Lembrei-me da rapariguinha do shopping de Rui
Veloso. Também esta só deve andar com gente bem agora.
Conquistou o hábito,
mesmo com estacionamento á porta, de deixar o chaço a uns bons duzentos metros
de casa. Encaixa as palas e lá vai ela, o resto a pé para casa. Não sei porquê,
talvez para mostrar as calças de ganga compradas no dia anterior na Mó.
Há noite, por volta das
vinte e duas, vinte e duas e trinta, quando vou com a minha lady á rua, é
frequente vê-la dentro de um carro de um sujeito.
Não sei quem é, nem o
que estão a fazer, não pernoito lá a ver, mas alongam-se, e quiçá seja o
namorado. A verdade, é que muitas vezes dou por mim a pensar se não estou a ser
iníquo ao fazer um juízo precipitado da miúda. Não fala a ninguém? Puf, que é
que isso tem? E isso até nem é verdade, por vezes vejo-a a falar com o gajo no
carro. Bem, francamente não a vejo a falar muito, mas isso também não quer
dizer nada. Talvez seja uma mulher mais de acção do que palavras. Talvez até seja
uma rapariga deveras simpática e esteja a fazer umas festinhas, ou por ventura a
dar uns beijinhos no coiso do senhor. Quem sabe? Pode ser. E eu aqui a pensar
mal dela. Que asno.
Mas, pelo sim, pelo
não, se ela falasse comigo, e se o coiso fosse meu, enfiava-lhe a borrachinha.
© Luís Paulo
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