Bem- Vindo

Bem- Vindo
Queria tanto ser poeta, falar do mundo, do amor... Porque não da dor? Do sofrimento... Da injustiça então... Enfim, falar do meu sentimento

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Rotina


Todos os dias me eram iguais, as mesmas ruas, os mesmos cheiros, as mesmas pessoas, nas mesmas paragens, nas mesmas estações, a correria de sempre para o metro, para o autocarro, para o elétrico, uma rotina inseparável da minha rotina…

Um dia, peguei num bloco, numa caneta, como o fotógrafo a objetiva e saí á rua… comecei a olhar o mundo com outros olhos…

Nunca mais os dias foram os mesmos.

 

Luís Paulo

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A nume do Luar


A noite tocava a hora do pousio.

As searas dormiam… enroscadas… ora viravam para a direita, ora para esquerda, conforme a brisa lhes dizia.

Os ulmeiros, lá no alto, pareciam dançar ao som do coaxar das rãs, que numa fraga, pareciam namorar ao luar, num riacho que passava ali perto…

Percorri-te a distância de um olhar… as searas, continuavam para lá de ti, pareciam sorrir na maciez do toque, no manso e delicado roçar de corpos, no enlace apaixonado em que se aqueciam… ou talvez, apenas sorrissem o descanso, da espera de um novo dia.

O luar, profanamente ténue, apático, avivava indiferente a capa insípida do teu olhar. Elegias as sombras, olhavas furtiva… àqueles… cujos olhos te fitavam ébrios de desejo, teatralizavas mais os gestos, provocavas mais o andamento do passo, adocicavas as formas, os sinais, e mostravas a nume que existia em ti. O luar ganhava vida, e até mesmo o poente, parecia virar-se no inverso para te observar.

Querias ser as tardes de domingo, o destino do périplo dos sem destino, ocupar o pensamento vazio, querias viver, amar, adormecer, acordar, no empíreo, no profano, querias ser Deus, o diabo, a bênção, o pecado. Querias morrer, ressuscitar, querias ser todos, a todos te dar, querias ser os rios e no mar desaguar, querias repartir, ser mil, em todo o lado querias estar…

E saías vagueando, pelas sombras do luar…

 

Luís Paulo

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Era um dia de Carnaval


De algum tempo para cá, tenho por hábito acordar cedo, dizem que é da idade, não sei, mas hoje, não sei bem porquê, esqueci-me desse detalhe, e ainda estava deitado… adormecido.

Estava a dormir tão bem, tão plácido, tão quentinho… quando vagamente principio a ouvir um ruído impreciso… afastado… distante… muito distante de início, e, lentamente, muito lentamente, começa a acercar-se, até que ficou nítido, estático, na porta do meu quarto.

Uma espécie de esgravatar… um latido quase de angústia, que ia aumentado de tom, até que o mundo do torpor, letargia, em que estava adormecido, me soltou e despertei inteiramente. Era a minha lady a chamar-me… um apelo aflito, não sei se preocupada por estar com a porta fechada, se impaciente para ir á rua, ou falta de atenção.

Mas, não era um chamar, assim, tímido, dócil como costume, era um chamar de protesto, de reclamação, de quem já chamava á muito tempo e não era simetrizada.

Olho o relógio na mesa-de-cabeceira, e vejo nove horas e cinquenta minutos. “Puxa lady, não podias aguardar mais um pouco?!” -- Atirei num retórico sonolento, coloquei a mão fora dos lençóis polares, senti um arrepio a percorrer-me todo o corpo, que instintivamente a devolvi ao lugar e deixei-me ficar por mais meia hora, provando o encantador ócio, ignorando as exigências dela.

Mas, em face da reclamação dela, que cada vez aumentava mais de tom, e como não se nega um pedido a uma senhora, levantei-me… contrariado, mas levantei-me… experimentei tanto frio que soltei um impropério… fiz a higiene pessoal todo encolhido e vesti-me. Com fome e ensonado saí á rua com ela.

Era terça-feira de carnaval, doze de fevereiro, de dois mil e treze. Chovia… uns chuviscos muito miudinhos que mais parecia neve devido ao frio. No ar, raiava aquele cheirinho agradável de lenha que ardia nas lareiras.

Agasalhei a sobrecasaca forrada a lã, e caminhei com a minha lady a abanar a cauda, indiferente á chuva e ao frio. Àquela hora, onze horas e quinze minutos, depois de uma noite de folia, a rua ainda estava deserta.

Seguia eu, no jardim Cesário Verde, quando algo me chamou a atenção. Um carrinho, aqueles carrinhos de compras de uma grande superfície, achava-se junto a uns contentores do lixo que existia próximo á berma da estrada. O carrinho suportava vários sacos, a dividir talvez o conteúdo, que não se adivinhava o que era. Vou, olho, e vejo uma mulher com a cabeça introduzida num contentor, um contentor daqueles da reciclagem, com os dois braços também metidos lá dentro, e revolvia… revolvia, selecionava e guardava o que achava que devia guardar.

Chamou-me a atenção, pelo simples facto, que era uma quadra festiva para muitos, o mundo divertia-se, mas aquela senhora estava ali, á chuva, apanhar objetos do lixo, sem que a solenidade usasse de magnanimidade para com ela. Não lhe via a fisionomia. Tinha os cabelos louros suavizados, ondulados, apanhados em rabo-de-cavalo, trazia um blusão impermeável, almofadado não sei com quê, azul, e umas calças de ganga, também em azul. Pareceu-me ser uma mulher ainda jovem, pareceu-me pelo facto de parecer que se vestia jovem.

Segui adiante, o meu pensamento entristeceu-se, afinal não é um bom quadro de se ver, ou então, era uma tela em cinzento, que sintetizava uma vida de desalento. Comecei a Sentir-me mal, por ter reclamado da vida ao levantar-me.

Atravessei a rua, e fiquei no cruzamento da rua vinte e cinco de abril, onde findava o jardim. A minha lady brincava na relva. No lado oposto, passava um grupo ébrio de fantasia nos seus trajes carnavalescos, com pegadas visíveis e abundante do álcool que havia corrido nessa noite.

Volvidos uns minutos, ouço o chiar do carrinho de compras. No instante seguinte surgiu a senhora na esquina, empurrava o carrinho pela orla da estrada. Olhou para mim… pareceu-me com mais idade que a que a havia imaginado, mas também poderia ser pelo facto de a vida lhe ser dura, madrasta. Tez morena curtida pelo sol, rugas vincadas ao redor dos olhos, não se adivinhava a cor dos olhos, eram claros, macios, mas de olhar duro. A representação do seu rosto era difícil de explicar… trazia doçura e severidade, mansidão e aspereza, parecia esclarecer uma certa vergonha, mas uma vergonha nobre, que olha nos olhos, sem medo seja de quem for, porque já lutou muito e com a resolução, a prontidão de nunca desistir.

E lá seguiu ela, pela avenida de dois nomes… para mim, a avenida vinte e cinco de abril, para ela, a avenida da amargura.

Impelia o carrinho, o carrinho chiava… parecia chorar por ela.

Luís Paulo

 

 

 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A dádiva de um sorriso


Sempre que alguém sorri para um humilde, um pobre, despido de sustento, alimenta um coração…

 

Luís Paulo


Imagem web

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Percorro teu corpo



 
… E timidamente percorro teu corpo… tateio, como o invisual o braile, e sinto a suavidade do cetim, a delicadeza da seda… o aveludado da tua pele chama… adoça… invoca o amor. O teu olhar cinzento, vazio… habita no silêncio do teu mundo, despido de palavras, e encontro á espera o desejo incontido em ti. Desperto-te, e, de passo lento, demorado, sensível, prenhe de desejo, descobres um mundo de cor, de sabor… libertas-te da prisão das eras, lanças para longe os espectros das quimeras e vagueias nas emoções, nas sensações etéreas.

 Até mesmo o Sol nasce com desejo, é-lhe inerente o amor… no zénite, aflora o calor, expele nos raios o orgasmo sem pudor… tremulo, suado, na terra expulsa o torpor, e deita-se ao crepúsculo, cansado, num canicular rubor

Ali a primavera acontece, o princípio indelével que eclode na vida… o descerrar, o soltar as pétalas, a metamorfose das flores, o esquecimento de todas as dores e o mundo segue, efeito transversal… pluvial, o arco-íris, as cores, as estações…

… E timidamente percorro teu corpo…

 

Luís Paulo

 

  Imagens Web

domingo, 3 de fevereiro de 2013

És mulher


Sinto-te a beleza,

Vejo-te sol, e brilhas numa tarde de estio,

És harmoniosa, ufana, resplandecente,

arte equevo, que se não constrói

Linda… tão linda que até dói,

quando se olha atentamente.

 

Quando triste, ou até mesmo quando choras…

és a luz, és a aurora,

és a formosura que devora,

és trigal serpenteante,

és a prímula que aflora.

 

És a formosura dos montes,

o degelo dos himalaias,

águas, que correm lentamente,

como lágrimas… que por ti deslizam,

suavemente

 

És o encanto,

 a magia,

a floresta húmida da amazónia,

exuberante verde-mar,

traços curvos de desenhista,

mundo novo por criar.

A noite cai…

És a noite,

 a lua,

o luar

és mulher

Invento-te para te amar

 

Luís Paulo

 

  Imagens web