Bem- Vindo

Bem- Vindo
Queria tanto ser poeta, falar do mundo, do amor... Porque não da dor? Do sofrimento... Da injustiça então... Enfim, falar do meu sentimento

terça-feira, 15 de março de 2016

A Morte


Foda-se!
Desculpem as almas mais sensíveis esta minha linguagem mais vernácula e deselegante.
Mas não me aparece outro adjetivo.
Sei que poderia, talvez,  fazer um esforço e suavizar a palavra, ou a ideia. Substitui-la, inclusive, por outra mais agradável, mais polida. Adotar, quiçá, a arte de bem dizer…,
Poderia se simpatizasse com eufemismos.
Mas não simpatizo almas mais sensíveis.
Sonhar que morri?
Foda-se!
Imaginam o que é sentir o frio escuro e mofo da cova a abocanhar-nos o corpo inerte?
Conseguem sentir a asfixia daquele local confinado e sombrio?
Sabem o que é estar naquele silêncio imposto e húmido e ouvir cair uns punhados de terra a despedirem-nos da vida?
Conseguem sentir a falta da lucidez e do espaço?
Conseguem escutar a entropia?
Conseguem?
O glu, glu, borbulhante e viscoso da carne a derreter-se e o corpo a escorregar liquido-feito a afogar a nossa própria morte?
Ah, agora já dizem foda-se?
Será que não poderiam adocicar a palavra? Ao invés de dizer foda-se, dizer, puxa? Palavra muito mais agradável, muito mais chique.
Que se foda o léxico.
Apagarem-me a vida como se apagassem um erro?
Foda-se!
A mim não me apetece ser meigo nem doce com a morte.
Não encontro formas líricas nem poéticas para a morte.
Tenho aprendido com os poetas que a poesia é vida.
A morte é uma merda.
Não gera nada. Ou melhor, gera, até de mais.
É fecunda.
Envolve-se naquela fecundidade morta e gera morte e mais morte.
Porquê perder tempo com frivolidades e deixar os poetas e os poemas na cova do anonimado?
Que renasçam os poemas!
Como poderei falar de poemas, de poesia, se a verdadeira poesia, a pura, morre esquecida?
Tirem-me deste sonho. Preciso sair deste sonho.
Indemne.
Exijo uma catarse linear que me inocente da morte desses poetas.
Preciso de uma bênção.
Que um filho da puta qualquer me abençoe.
Que os poetas sejam poemas e a poesia uma acha de vida.
Que merda de força tem a morte para separar os poetas da poesia?
Não quero morrer…,
Exijo vida à vida. Exijo vida à poesia e aos poemas dos poetas que falam do amor inumano e desaparecido…,
Não quero poesias póstumas.
Poesia póstuma é poesia triste…, e não gosto de poemas tristes.
Pior ainda quando a poesia triste é triste para sempre.
Como quando se morre, morre-se para sempre.
Morrer para sempre…,
Tantos cientistas almas sensíveis, tantos…,
tantos estudos e dizem-me que tenho de morrer?
Quem pensam estes gajos que são para me dizerem que tenho de morrer para sempre?
Fodam-se os cientistas.
Vivam os poetas.
Viva a poesia.
A Geografia do amor
Viva a epifania dos por dos sois.
Não quero morrer almas sensíveis…,
Mas…,
se morrer…,
se por qualquer razão aparecer morto,
para sempre…,
saibam que não fui eu.
Foi a morte que me Matou.
E logo agora que as folhas iniciavam a ganhar cor.

Luís Paulo






















































quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Águas do meu rio

A manhã estava sossegada, o céu limpo. 
Aqui e ali via-se uns riscos de nuvens, mas o sol brilhava, aliviando o frio seco da noite.
Decidi tomar a minha porção diária de vitamina D, e sentei-me no banco de pedra na margem da baía.
Dois idosos, no banco ao lado conversavam entre si.
Um de fato e gravata muito gasto. O outro de boné e samarra alentejana.
Dizia o de samarra alentejana, de voz amarga e dorida:A Isabel farmacêutica, disse-me á pouco que já não me pode fiar mais porque já devo trezentos euros.”
O de fato gasto indignado:Mas precisas dos medicamentos para a tensão!”
 - “Pois preciso” - consentia o de samarra alentejana de olhos brilhantes. - “Mas este mês não vou poder tomar, a reforma já se esgotou.”
O idoso de fato gasto fez um silêncio meditativo, esfregava as mãos nervosas e disse metendo a mão ao bolso:Toma cinquenta euros, vais comprar os medicamentos. Não posso aceitar, - dizia o de samarra. - Sei que te vai fazer falta, ainda agora o mês começou...”Toma, - insistiu o de fato gasto. - “eu posso passar um mês sem carne, tu não podes passar um mês sem os medicamentos.”
O de samarra alentejana sabia que era verdade, aceitou balbuciando emocionado algo que não consegui entender.
Vi o homem a afastar-se a ir á farmácia, e vi nos ombros dele, toda a ignorância e toda a indiferença da humanidade.
Voltei a olhar para o rio, e apeteceu-me deixar-me levar pelas águas mansas da baía.

Luís Paulo



sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Piropos


É crime os piropos.

Vai de um a três anos de prisão efetiva dizem.                                                          

Acho bem.

Vão mandar piropos pó caralho.

Por mim não ficava por aqui. Se fosse mulher, exigia a obrigatoriedade da burka.

Uma lei que proibisse os homens babarem-se com as saias curtas e os grandes decotes.

Leggins?

Grandes cús?

Nada disso. Vestimenta larga e preta para todas. Toda preta, para não haver aquele roçar colorido que aquece os pensamentos.

E se no meio daquele negrume aparecerem uns olhos largos, amendoados e negros também de bonitos, recorre-se a lentes de contacto para saírem uns olhos feios e vesgos.

Estou mesmo a ver o policia:

“você disse olhos bonitos? Disse olhos bonitos? Dois anos de prisão!”

“Ah, e tal…,

“Psiu! Dois anos de prisão.”

Os radicais é que sabem.

Ainda os vejo no parlamento a dar razão ao daesh.



Luís Paulo




sábado, 28 de novembro de 2015

Personalidades


 

Estava um dia mau.

Se é que me é permitido chamar algo de mau. O mau é relativo. O que pode ser mau para um, pode não o ser para outro.

Para mim, estava um dia mau.

Um dia envolto de chuva, de frio e de névoa.

Já para o meu vizinho, na casa em frente, talvez se achasse um dia bom. Trajado de robe, e de aspecto quentinho, espreitava á janela a ver chover.

Olhou para mim, e assim de viés, pareceu-me ver-lhe no rosto um sorriso de prazer, quase mórbido até, do meu ar lastimoso. Como não fiquei com a certeza, se se ria de mim ou não, acenei-lhe a dizer bom dia, e, mentalmente, pelo sim, pelo não, mandei-o para aquele sítio que nós sabemos.

Uma música, abafada, que parecia O Milagre de Haydn, saía pelas frinchas das suas janelas, o que me deixou ainda mais ruido de inveja.

“Um gajo aqui nesta merda de dia e aquele pantomineiro a gozar… puta que o pariu”. Remoía eu a caminhar.

O céu, índigo frio de Janeiro, dava razão ao homem do tempo e benzia-nos fartamente.

Ao longe, o horizonte deixava ver uns enfraquecidos clarões azuis dos relâmpagos já frouxos, sumidos pela neblina e pela distância.

Meti pela rua Luís de Camões e o guarda-chuva quase me levantava do chão.

Muitos corriam a refugiar-se nos portais.

Uma senhora saltitava a atravessar a rua, a furtar-se às poças de água que se acumulava. Ao atingir o passeio, a suspirar de alívio, assoma um carro em grande velocidade, pisou um charco na orla da estrada e ensopou-a dos pés á cabeça. 

Diante daquele pinto a bater as asas indignada, larguei uma gargalhada, disfarçada, maliciosa.

Não tive a culpa, sou humano, e os humanos só se riem do mal.

Se é que o mal existe. 

Para a senhora talvez se avistasse um dia mau, mas para o automobilista, quiçá, estava a ser um dia bom e divertido.

Segui em frente, deixando para trás a revolta e indignação do pintainho, mas, olhando por cima do ombro, não fosse eu o seguinte.

Reparei que a chuva não tinha o propósito de parar.

De repente, vi algo que parecia não parecer dali, daquele cenário húmido e encolhido.

Parei deliciado, a admirar o jardim de uma casa e a excelência das cores distintas dos cíclames. O branco, o vermelho, o rosa, o salmão das suas pétalas, era algo que não acordava com aquele tempo, frio e chuvoso. 

As ericas, também de flor branca e vermelha, rompiam pela sua folhagem verde cinérea. Frescas, macias, e desprendiam um aroma tão doce, tão intenso, que me fizeram viajar até á filha do pantomineiro. Àquela pele aveludada, mélica, esguia, com a sua eterna fragrância a flores. Lembrei-me dos seus murmúrios na noite. Gemidos que eram como o ronronar de canções magoadas… doridas. Depois, cingidos e a sorrir, adormecíamos na madrugada.

Lancei o guarda-chuva esfarrapado fora e deixei a chuva acariciar-me o rosto. Ou melhor, deixei a chuva agredir-me o rosto, tal era a força com que desabava. As pessoas olhavam para mim como se me tivesse dado alguma coisa. Mas nada me importava já, depois de me ter lembrado da filha do pantomineiro, todo eu era amor e paz.

Afinal, até nem estava assim um dia tão mau. Estava apenas um dia de inverno. E inverno é inverno.

Se eu tenho dias de mau humor, porque é que que os dias não hão-de ter dias de mau humor? Se eu tenho a minha própria personalidade. Ou melhor, se nós possuímos a nossa personalidade, e todas diferentes uma das outras diga-se. Assim também as estações devem beneficiar da sua personalidade. Se era inverno, tem de estar um dia de inverno.

O homem do tempo disse que ia estar frio e chuva. Eu, que necessito sair, apenas tenho de me adaptar á personalidade fria e chuvosa. Assim como a filha do pantomineiro se adapta á minha personalidade. Aqueles olhos verdes-água a olharem para mim. A sua personalidade forte e quente onde eu adentro. O vaivém, cândido, que me tira o fôlego. Os orgasmos intensos.

Ah! Que personalidade tão boa.

Até o pantomineiro tem a sua própria personalidade. Uma noite, talvez por uns gemidos mais licenciosos, bateu-lhe á porta do quarto; queria saber o que se passava, e eu tive de sair á pressa. O que me valeu é que era o rés-do-chão.

A chuva, o vento, o frio, tudo isso é personalidade do inverno, e isso não tem de ser mau. Que o digam aqueles cíclames e as ericas, com a sua grande beleza de cores saciadas e vivas. E a filha do pantomineiro? Aqueles seios protrusos, trigueiros. O corpo serpenteante de blandícias. Aquela pele que me chama e me queima os sentidos quando as bátegas frias batem nos vidros das janelas?

Que invernos tão bons. 

Agora, parece que vejo o arco-íris ao fundo da rua.

 

© Luís Paulo

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Como o tempo passa


Como o tempo passa.

Parece que estou a ver ainda aquela criança sentada no muro á minha porta.

Simpática. Dizia bom dia e falava com as pessoas.

Afigura-se-me que foi ontem, mas, pelos vistos, já faz tempo.

Está alta. Mais alta que eu.

Só ao terceiro dia de a ver passar e entrar no prédio ao lado é que descobri que era ela. Tal a metamorfose. Tem os mesmos olhos azuis como em criança. Perdeu um pouco, talvez do azul vivo, para ganhar um azul pardo.

Loura oxigenada. Esguia, quase boa.

Das três vezes que passou por mim, não falou. Nem bom dia. Por mim, até pensei que fosse normal, baixinho, careca. Tenho uns olhos esverdeados que é o que me vai safando. Mas não, não fala a ninguém.

Deixa o Fiat Punto azul-bebé de 96 e não vê mais nada.

Lembrei-me da rapariguinha do shopping de Rui Veloso. Também esta só deve andar com gente bem agora.

Conquistou o hábito, mesmo com estacionamento á porta, de deixar o chaço a uns bons duzentos metros de casa. Encaixa as palas e lá vai ela, o resto a pé para casa. Não sei porquê, talvez para mostrar as calças de ganga compradas no dia anterior na Mó.

Há noite, por volta das vinte e duas, vinte e duas e trinta, quando vou com a minha lady á rua, é frequente vê-la dentro de um carro de um sujeito.

Não sei quem é, nem o que estão a fazer, não pernoito lá a ver, mas alongam-se, e quiçá seja o namorado. A verdade, é que muitas vezes dou por mim a pensar se não estou a ser iníquo ao fazer um juízo precipitado da miúda. Não fala a ninguém? Puf, que é que isso tem? E isso até nem é verdade, por vezes vejo-a a falar com o gajo no carro. Bem, francamente não a vejo a falar muito, mas isso também não quer dizer nada. Talvez seja uma mulher mais de acção do que palavras. Talvez até seja uma rapariga deveras simpática e esteja a fazer umas festinhas, ou por ventura a dar uns beijinhos no coiso do senhor. Quem sabe? Pode ser. E eu aqui a pensar mal dela. Que asno.

Mas, pelo sim, pelo não, se ela falasse comigo, e se o coiso fosse meu, enfiava-lhe a borrachinha.

 

© Luís Paulo

quinta-feira, 23 de abril de 2015

O Livro



 Era sábado,
A tarde findava,

Escoltadas por um vento de leste, nuvens azul ferrete, iam conquistando o dia, conduzindo a noite precoce de Novembro

A brisa cada vez mais robusta fazia um rumorejar nos ramos das árvores, balançando os pássaros que chilreavam procurando o melhor galho para pernoitar.
Algumas folhas secas passavam rapidamente impelidas pelo vento, que pareciam fugir assustadas a qualquer coisa que as perseguia.

Testemunhei que tremia, que também eu perseguia… perseguia-te a ti…

Entrei num ambiente acolhedor, tranquilo, uma pacificidade intelectual, onde vários grupos dispersados pela sala conversavam entre si.
Olhaste para mim,
Eras o livro mais lindo do evento.
Livro carregado de promessas,
Olhares cruzados, enlevados, abraçados, num enlace apertado, espontâneo, suave, delicado, numa fragilidade que é tua… uma orquídea nua…

Tudo era pequeno ao teu redor,
Não sorrias, irradiavas… pelo espaço flutuavas,
Eras a própria essência de uma fragrância floral, um bálsamo perfume do mar…
Falaram de vidas… de existências teoremas…
Discursaram poemas… dediquei-os a ti
A sala enchia… mas, sem ti, era fria, vazia…
Senti que te perdia, perdi-me em mim
Saí… estava noite, achava-se frio,
Fui empurrado por pensamentos como correntes de um perturbado rio…
Naufraguei á deriva por aí, e como náufrago exausto, adormeci, e sonhei com o livro que não li.

 
Luís Paulo
"Foto Web"